terça-feira, outubro 10, 2006

Saudades de inventar

Faz tempo que, aqui não venho.
Ou será o tempo que me faz isto.
Nostalgias. Amores impraticáveis.
Amizades indefiníveis. Desencontros.
Estórias a contar ou a inventar. Tenho saudades.

Mal-entendidos, receios, algumas palavras, e emoções.
Afazeres excessivos, desavindos que me têm desviado daqui.
Projectos envolventes e, quão vacilantes.
Não há tempo, nunca há tempo, ele, sempre, nos foge.
À ausência de nós próprios, o tempo traz.
Tanto se passou. Gente nova, gente velha, os que escaparam, os que se mantêm.
É o universo, o caro ri-se em constante transformação. Reformas e retomas. De mão em mão, as opiniões e os jeitos abundam. Harmonias e segredos revelam-se - entre multidões e gentes.



A rua estava silenciosa. Quase dez horas da noite. Não havia, praticamente, barulho. Só o do comboio. De vinte em vinte minutos, ouvia-se o “pouca terra, pouca terra”. De quando em vez, passava um carro, ou alguém que usufruía de bicicleta, o que seria uma das últimas belas noites de Verão. Pois, era o fim do Verão que se aproximava. Noites como esta, restariam poucas.
Assomei à janela. Um calor infernal. Um céu limpo. Estava lua cheia. De um brilho inexplicável. Nem as infelizes ou poucas árvores buliam, acostumadas à poluição. Um cão corria do dono. Este, coitado, bradava para que ele não fugisse. A trela tinha-se-lhe escapado. Alguns rapazes brincavam às escondidas, outros riam, talvez partilhassem anedotas.
Via-se alguns dependentes ou habitues da TV. Provavelmente, algum filme, novela ou série que acompanhavam há meses.
O que se passa por detrás daquelas janelas, algumas escancaradas, outras com luz meia baça. Tudo ou quase tudo. Da criatividade não abdico. Se me pedissem não a trocaria por nada.
A Joana sentia-se cansada e chorosa, acumulava noites longas sem dormir, o homem com quem partilhava a casa, traí-a. Discussão à vista ou um desamor despoletado por simplicidades, os casais que não borrifam a relação, é o que calha.
Rotina. Caos. Irreversível desfecho.
No piso de baixo, observo uns rapazes. Fixam um computador, provavelmente, navegavam nalgum chat, ou site mais ousado. No terceiro direito, invejo uma rapariga que se pinta e emboneca para o homem dos seus sonhos. – “Pode ser o tal!” (lembram-se de “Janela indiscreta”, de Alfred Hitchcock)
Ele espera na outra sala, e mostra-se tão nervoso. As mãos suam-lhe, ansiosamente, e desorienta-se ao bisbilhotar uma moldura que caí no chão. Apanha-a e senta-se finalmente no sofá, massajando os dedos e arregaçando as mangas. Desperta um pouco a gravata e não pára de ver as horas. Não é que estejam atrasados. Vão sair pela primeira vez, só isso. Têm um jantar romântico. Invejo-a, sim. Jantares românticos são projectos que não fazem parte da minha agenda há uns anos.

Hoje em dia, já não me culpabilizo de não amar ou de não ser amada, e que haja alguém que me queira seduzir. Estou bem, mas deixei de acreditar no Amor. É um assunto que, já, me deixa dormir. Me deixa não esquecer as potencialidades e capacidades de praticar outros projectos que sei ser capaz.

Enquanto isto, deambulava pelos meandros da mente. Pensava na vida - no que tinha feito, no que poderia ter feito, porquanto seria digno o que fiz, por que lutei, pelo que aprendi, pelo que dei? Conclui que a vida que não escolhi teria sido mais rica, mais completa e, mais cheia pelo que poderia ser hoje e não sou. Será certa essa incerteza? E o que sou hoje? Não sei bem contar. Pensei indagar alguém que me conhecesse, e não sei o que expressaria! Sei inventar e contar Estórias. De os outros para os outros. Isso, gosto e sei fazer. Autobiografia seria breve, muito aquém do que sempre imagino ou imaginei para mim. J não se farta de me dizer que eu posso e devo ser, posso e devo querer, posso e devo fazer….

Amanhã, volto cá.
Até já!