quarta-feira, janeiro 18, 2006

mesa de café...

Sem sono. Saio de casa em direcção ao café do Sr. Samuel.
Peço um ballantines. Procuro desesperada um papel e uma caneta.
Afasto o copo para um canto da mesa. E tiro de minha mala os apetrechos necessários, mas no meio de tanta confusão, um costume muito frequente, em nós, mulheres, lá consigo encontrá-los. E escrevo o que me vem à cabeça.

Que rosto terão as palavras, quando os ventos sopram em direcção contrária …
Proteger o peito de rosas, banhar os lábios de paixão, atenuar forças contrárias, mas não basta. Nunca bastou. Será necessário construir de novo os acasos que me cercam, enchendo as noites. Perdi-os.
E a pele estica-se ao máximo e envelhece após qualquer verão crespo.
E se fosse inverno, jorraria dela a mesma viscosidade clandestina, como de quem habita um espaço que não lhe pertence.
E ofender o céu e a lua, seria distanciar-me cada vez mais de mim.
Qualquer atitude definitiva mentir-me-á. Porém, se continuo quieta á semelhança de uma rocha, acabo por impelir a energia no meu coração. Não existe jardim que me cure do travo da revolta. Parecerei uma condenada, sem nome nem sexo, apenas um pedaço de entusiasmo liquido, prestes a ebulir.

Farta de ali estar, rasguei o pedaço escrito da toalha de mesa e guardei-o num bolso.
Pedi a conta. Olhei o relógio. Já era meia-noite e meia. Saí da tasca e caminhei ao acaso, pelas ruas estreitas, confundida nas sombras, escutando à medida que passava pelas portas dos bares, sons variados de batidas quentes. Avançava sem sono. Já eram, mais que, horas de ir para casa.

terça-feira, janeiro 10, 2006

To Grace

Pode ser que um dia deixemos de nos falar...
Mas, enquanto houver amizade,
faremos as pazes de novo.

Pode ser que um dia o tempo passe...
Mas, se a amizade permanecer,
um do outro havemos de nos lembrar.

Pode ser que um dia nos afastemos...
Mas, se formos amigos de verdade,
A amizade nos reaproximará.

Pode ser que um dia não mais existamos...
Mas, se ainda sobrar amizade,
Nasceremos de novo, um para o outro.

Pode ser que um dia tudo acabe...
Mas, com a amizade construiremos tudo novamente.
Cada vez de forma diferente,
Sendo único e inesquecível cada momento
Que juntos viveremos e nos lembraremos para sempre.

Há duas formas para se viver a vida:
Uma é acreditar que não existe milagres.
A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.

Albert Einstein
(1879-1955)

A criança que fui chora na estrada


A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

Fernando Pessoa

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Another year and all the same

A propósito de "dreams came true". E os votos que se desejam para os outros. E as passas que se devem comer. E a cor de cuecas que se deve usar. E os beijos tradicionais que se devem, partilhar. As mensagens que se devem trocar e, tudo, o que é intrínseco à data. Para alguns é um prazer. Para outros, não passa de uma simples obrigação, de uma simples "cortesia”. E só de pensar nisso, faz pena. Não importa, se quem sente prazer, tiver de fazer esse ritual, todos os anos. Vestir as cuecas, comer as passas, saltar de uma cadeira aquando das badaladas, querer um bom ano para os outros. É sinal que as pessoas se importam. Não tem é de ser desta forma: é politicamente correcto conferir esse bem-estar aos outros. Mas, até que ponto pode ir esta hipocrisia, quando essa “politiquice” é fingida. É preferível a diferença, ou a arrogância, de que tantos são apelidados, quando não aprovam o que lhes é desagradável nalguma situação. Não acham que a hipocrisia tem vencido o pódio nas nossas praias? Será que desejamos, mesmo, a felicidade aos outros? Não será permissível a inveja articulada com a hipocrisia, corromper a nossa essência. Ter-se-á, a hipocrisia, tornado uma característica dos humanos fenecendo de um defeito “socialmente genético”. É assustador. No mínimo.

Neste fim-de-semana vi, finalmente, o Dogville. De longe, uma das melhores peças que já vi sobre relações humanas. É uma homenagem, muito bem produzida, às características humanas, ao relacionamento e à grande aptidão que o Homem tem em julgar o próximo. Ora, o julgamento é de longe a arma e a marca mais poderosa, a meu ver, de como somos humanos. Viver em comunidade. É difícil, claro que é. E com todo este poder que fomos desenvolvendo ao longo da vida, vem ao de cima, tudo o que temos de pior. O orgulho, a inveja, a insegurança, a luxúria, o ódio, a vingança. Obviamente, que há mais. E se pensarmos um pouco, todos os pedaços piores lutam apenas, contra um, que nem sempre vence. O Amor. O Amor Universal. O amor sob todas as suas formas. Não deveria ser ele a vencer?

É certo que é um contra muitos. Mas se acreditarmos veemente que “ele” tem mais força do que todos os outros. Deveria vencer. Afinal o Amor não vence tudo. Parece-me, de repente, uma utopia. Deus foi crucificado porque tentou comprovar que existe Amor. “Tantos eram contra ele”. E acabou crucificado, perdeu a sua credibilidade e ainda foi gozado. Portanto, quando se diz que o Amor vence tudo. Não é bem assim. Afinal, de que andamos a fugir, se necessitamos de nos defender com armas tão decadentes e tão pútridas.
E mais um ano promete vincar todas essas opções, senão desenvolvidas, preocupar-nos-emos em desenvolvê-las.