terça-feira, agosto 22, 2006

A hostilidade do cimento – II

À debilidade, espalhada, em paredes estanques, recheadas de recortes, em caixilhos e retratos, apontamentos e, saudades magoadas, não se ausenta a memória.

Esperas. Emboscadas exasperantes. A percepção das coisas tende em escapar-nos. Os segredos enchem metrópoles inteiras, empedernidas, pela tradição que faz por nos lembrar regências familiares, impedimentos conscientes e superiores. Matérias e afins, temas e, disciplinas regulares. Os chamados Encontrões. Rumos. Metas e exemplos quase certos. É favor não assentar opções. Vive-se na corda bamba.

E as mentiras, as rejeições, as rotinas, as feições, as decisões amortecidas pelos movimentos mecânicos e rotineiros. Atalhos e percursos sinuosos, só nos desviam do que é essencial e, ao desfecho? Determina-se a inconstância que sempre sentíramos. È a inconstância do betume, a incongruência da realidade.

Sabemos que pode ser …algo que nos encalha, ou alguém que nos fere, ou que nos é amargo, ou que se cansa, ou alguém que apregoa. “…Caminhar em frente dói”, e que nos, deixa lá mais uma “ruga”, um laivo de fraqueza …É a vida ávida … Afinal é para este Todo, ao qual, vindos e concomitantes, nos vão sendo colocadas provas, motivos, e testes, alguns, inúteis. Será preciso tanta mágoa…! Hipocrisias escondidas e negociações. Envelheceres gastos e pesares hostis e putrefactos. Sangramos, não faz mal, faz-nos mais fortes! Esta é a nossa lei tão acostumada, é a própria vida. É a astúcia da própria. Desagrados acumulados de anos. Repressões vinculativas. Geração para geração. Pais e filhos. Pais para filhos. Certos ou errados. Nunca o soubemos!

quinta-feira, agosto 17, 2006

A hostilidade do cimento

Hostilidades desmedidas sob selvas … betume e argamassas construídas e animadas em ossos, sangue, veias e tendões, impacientam por estalar. Somos aias, somos paus mandados, somos fardo, somos proposta, somos projecto… de carne, somos … parentesco deste modo de vida.

O Homem possui, reina, determina, e destrói disposições maciças, elevações poéticas prostradas em restos, em pedaços de boatos, e abalos e ruínas tristes num sistema que, pervertido, actua por contentarmos os ditos ditosos.

Costumes arruinados, vícios únicos e indivisíveis, soltam-se em ameaças extraordinárias e mais prementes. Vive-se e sobrevive-se entre vínculos déspotas e isolados que desencadeiam tropeções cíclicos, só e enfadonha, sabemos que atropelarmo-nos sem dó nem piedade, é a melhor feição.

Há um ciclo adaptador que emite personagens desconhecidas e emergentes à nossa evolução. A cada pedaço que damos, a cada reacção ao perto, a cada imagem que criamos ou retemos. A resistência ao que é sadio. A firmeza permissível ao que nos faz feliz. É mecanicamente aceitável.

A progressividade e a tolerância à realização. É de praxe o Homem calar, nunca reclamar, e jamais altercar. Fiquemos à mercê da institucionalização do cimento. Ele entra-nos por todo o lado, sob a forma de instantes e influxos que, até, nos fazem falta.
Viemos ao mundo com defeito, será? Perdem-se em nós, ou será que nos perdemos neles? Or ever. Está instaurado.

Não nos cansamos de dizer a nós próprios que sempre assim foi (a auto-justificação transforma-se em auto-flagelação)! A favor da agressão, a favor do betume e dos espaços parcos em cimento mal enjorcados que ocupamos! E tudo isto é reflexo das nossas transformações. Um palco montado numa selva de cimento. Animais intoleráveis. Pressões mentais recatadas entre receptáculos de betume. Escolhas e intrigas minam alguém mais idóneo, mas isso não tem importância, desde que sobrevivamos às hostilidades do cimento.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Existe dentro de mim tanto amor sem sentido.

A FORÇA DAS COISAS

A FORÇA DAS COISAS

Não era do homem de cinqüenta anos que eu tinha saudade; não era daquele justo sem justiça, de arrogância desconfiada e rigorosamente mascarada, que rasgara meu coração ao consentir nos crimes da França; era o companheiro dos anos de esperança, cujo rosto despojado brincava e ria tão bem, o jovem escritor ambicioso, louco pela vida, por seus prazeres, por seus triunfos, pelo companheirismo, pela amizade, pelo amor e pela felicidade. A morte o ressuscitava; para ele, o tempo não mais existia, o ontem não tinha mais verdade que o anteontem; Camus, tal como eu o amara, surgia na noite, no mesmo instante reencontrado e dolorosamente perdido. Sempre que morre um homem, morre uma criança, um adolescente, um jovem: cada um chora aquele que lhe foi caro. Caía uma chuva fina e fria; na avenida Orléans, mendigos dormiam nas soleiras das portas, encolhidos e transidos de frio. Tudo me dilacerava: aquela miséria, aquela infelicidade, aquela cidade, o mundo, e a vida, e a morte.
Simone de Beauvoir